Publicações da FAPESP

Discurso por ocasião da inauguração do Auditório Governador Carvalho Pinto, evento inicial das comemorações dos 50 anos da FAPESP

SP, 23/05/2011

CELSO LAFER

O Estado de São Paulo foi pioneiro, em nosso país, no reconhecimento da importância do respaldo à pesquisa, vale dizer, das atividades voltadas para a descoberta de novos conhecimentos que ampliam o entendimento e o poder de uma sociedade sobre o seu destino. A Constituição Estadual de 1947, no seu artigo 123, estipulou que “o amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado” e previu o modo de efetivá-lo por intermédio de uma fundação que teria anualmente uma “renda especial da sua privativa administração” não inferior a meio por cento do total da receita ordinária estadual.

O texto da Constituição paulista teve a sua origem em documento preparado por pesquisadores do IPT, com a colaboração dos da USP e de instituições de pesquisas de São Paulo. A iniciativa tinha a respaldá-la a experiência dos Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional de 1942, que sob a liderança do então reitor da USP, Jorge Americano, lidaram com problemas científicos e tecnológicos provenientes do ingresso do Brasil na 2ª Guerra Mundial e que se desdobraram numa visão mais abrangente do papel da pesquisa para a vida do país.

A iniciativa da comunidade científica paulista teve guarida na constituinte estadual. Seus paladinos foram os deputados Lincoln Feliciano do PSD e Caio Prado Jr. do PCB, que deixaram de lado divergências partidárias para patrocinar o interesse público.

A “ideia a realizar” do amparo à pesquisa consagrada no texto constitucional paulista de 1947, precede assim a criação de órgãos federais, com intento similar, ocorrido na década de 1950.

A constituição da fundação prevista na Constituição Estadual levou o seu tempo. Foi obra do governador Carvalho Pinto que a incluiu no seu Plano de Ação. Foi ele que teve a iniciativa do projeto que se transformou na lei nº 5918 de 18/10/1960 que autorizou o Poder Executivo a instituir a FAPESP e que a instituiu efetivamente com o decreto nº 40.132 de 23/5/1962. Na ocasião o governador Carvalho Pinto concedeu recursos para a criação de um fundo patrimonial rentável que deram respaldo adicional ao meio por cento da receita estadual que a FAPESP passou a receber, nos termos da constituição paulista. É de se destacar, na decisão do Governador Carvalho Pinto, o significado da sua firme convicção quanto à relevância pública da FAPESP, ao criar em 1962 este fundo patrimonial mediante a inclusão de recursos provenientes dos exercícios orçamentários de anos anteriores. Consagrou, deste modo, a diretriz de que o amparo à pesquisa é uma política pública de Estado de longo prazo, e não de Governos, que requer a sustentabilidade de recursos regulares e autonomia administrativa.

Na concepção da FAPESP que o governo Carvalho Pinto pôs em marcha, em fecunda interação com a comunidade acadêmica e o Poder Legislativo, cabe realçar a precisão conferida ao “amparo à pesquisa”, preconizado pela Constituição. Destaco: a de que a FAPESP deveria apoiar a pesquisa e não fazer pesquisa; a de que deveria fornecer elementos de orientação e auxílio financeiro, sem interferir com a personalidade do investigador ou da instituição; a de que o âmbito da sua ação deveria ser limitado apenas pela idoneidade dos projetos e pela extensão dos recursos disponíveis; a de que não cabia restrição quanto ao gênero da pesquisa realizada; a do reconhecimento da interdependência entre pesquisa básica e pesquisa aplicada; a da limitação das despesas administrativas a um teto de 5% do orçamento da Fundação para assegurar que os recursos, provenientes do contribuinte paulista, fossem aplicados tendo em vista os fins; a da republicana prestação de contas - contrapartida da autonomia - não apenas aos órgãos de controle da Administração Pública paulista, mas também à comunidade mais ampla mediante relatórios anuais de suas atividades; a do empenho na objetividade e imparcialidade na avaliação das solicitações apresentadas, pela análise dos pares, o que ensejou a integração da comunidade acadêmica no processo decisório da FAPESP.

Estas diretrizes e outras de igual qualidade estão consubstanciadas nos estatutos da FAPESP, aprovados pelo decreto nº 40.132 de 22/5/1962. Continuam em vigor e retêm plena atualidade, indicando o mérito da concepção que deu precisão ao conceito de “amparo à pesquisa”. Paulo Vanzolini, que teve papel decisivo na sua redação, declarou em depoimento por ocasião dos 40 anos da instituição: “A FAPESP, para mim, se resume num nome Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto”, explicando que o governador não cozinhou o assunto em banho-maria, teve cabeça, decisão, calma e competência no trato da matéria, adicionando que consultou a comunidade, aceitou “as idéias que lhe pareceram boas assumiu e levou para frente” a empreitada. É por isso que hoje o auditório da FAPESP está recebendo, no início das comemorações dos 50 anos da instituição, o nome do Governador Carvalho Pinto. Homenagem austera, mas merecidíssima, pois a FAPESP que se deve ao seu descortínio de homem público é um marco no campo da institucionalização do apoio à pesquisa em nosso estado e no país, comparável à criação, em 1934, da USP, no âmbito da estruturação da universidade brasileira.

Cabe o registro que a sustentabilidade das atividades da FAPESP viu-se reforçada com a estipulação do pagamento em duodécimos da sua parte na receita anual do estado e a elevação de seu percentual para 1%, na Constituição estadual de 1989 (art. 271) que explicitamente adicionou à sua missão o desenvolvimento tecnológico (iniciativas dos deputados Fernando Leça e Aloysio Nunes Ferreira).

A FAPESP iniciou suas atividades com um quadro mínimo de pessoal e em instalações provisórias na USP. Examinou, em seu primeiro ano de ação, 507 projetos e aprovou 57 bolsas e 265 auxílios à pesquisa. Entre os primeiros projetos selecionados para a investigação científica estavam as propostas apresentadas pela doutora Vitoria Rossetti, então diretora do Instituto Biológico, voltadas para ao controle do cancro cítrico que se alastrava e ameaçava a agro indústria do estado de São Paulo nos anos 60. Este e outros projetos frutificaram, ao longo dos anos, comprovando o papel do avanço do conhecimento para a sustentabilidade da citricultura que hoje é importante item da pauta de exportações brasileiras. O mesmo se pode dizer das pesquisas relacionadas com a cana de açúcar e a produção de etanol. Cumpriu-se, assim, o vaticínio do governador Carvalho Pinto de que a FAPESP, entre muitas outras contribuições, teria o seu papel na solução de problemas da agricultura paulista e da produção de energia.

Com o tempo o patamar da instituição foi se elevando para efetivar as finalidades previstas na sua concepção. Em 2010 a FAPESP desembolsou R$780,3 milhões no apoio à pesquisa - 36% na formação e aprimoramento de recursos humanos, por meio da concessão de bolsas a pesquisadores e 64% para o apoio direto à pesquisa. Em 2010 foram contratados 11.555 novos projetos. Saúde, Biologia, Engenharia, Ciências Humanas e Sociais, Agronomia e Veterinária foram as cinco áreas de conhecimento que receberam o maior volume de recursos.

A FAPESP é o fruto de uma obra e de uma ação coletivas, de uma convergência de competências, forças e vontades. Na vida da instituição os seus sucessivos dirigentes e parceiros da comunidade científica – que hoje também homenageamos pelas contribuições que deram ao aprimoramento de “idéia a realizar” da FAPESP – não só foram lidando com o processo do aumento quantitativo e de complexidade qualitativa dos projetos avaliados e selecionados, como contribuíram para importantes mudanças nos paradigmas da organização da pesquisa de instituições públicas e privadas que atuam no estado de São Paulo.

Destaco os projetos temáticos que representam o apoio a projetos com objetivos de maior envergadura, em qualquer área do conhecimento, com duração de até cinco anos e o programa dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid). Este programa está voltado para o apoio a centros de excelência, por um período de até 11 anos. Os 11 centros de excelência até agora apoiados pela FAPESP cobrem áreas do conhecimento que vão do genoma humano a estudos da metrópole; da pesquisa e tratamento do câncer ao estudo da violência; de estudos do sono ao desenvolvimento de materiais cerâmicos. Os dois programas de apoio a projetos para a inovação, o da pesquisa em parceria (PITE) e o da pesquisa inovativa em pequenas empresas (PIPE), vêm operando a pleno vapor. Programas de pesquisa abrangentes com estrutura organizacional complexa e em rede foram implantados nos últimos anos. Entre eles o BIOTA-FAPESP para o estudo da biodiversidade de São Paulo e o seu uso sustentável; o BIOEN de pesquisa da Bioenergia e o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. Realço os investimentos no apoio a infraestrutura de pesquisa do Estado de São Paulo que serão objetos de exposição do Prof. Brito Cruz e que estão hoje sendo divulgados na sua amplitude com a presença honrosa do Governador Geraldo Alckmin, que exemplifica, pela sua ação, a continuidade do dedicado e compreensivo empenho do Poder Público à missão da FAPESP. A internacionalização da FAPESP por meio de acordos com entidades congêneres no mundo tem sido uma constante nos últimos anos. É uma resposta ao desafio da importância, para o avanço do conhecimento, do potencial de interação entre pesquisadores nacionais e estrangeiros.

O valor agregado do conhecimento individualiza o estado de São Paulo na Federação brasileira e é uma marca da presença do nosso estado num mundo que se globaliza. Para isso muito contribuiu a FAPESP ao longo dos 49 anos de sua existência, em consonância com a visão estratégica dos constituintes paulistas, superiormente institucionalizada pela visão de futuro que caracterizou a ação do governador Carvalho Pinto.